domingo, 13 de março de 2011

Pesadelos

Naquela noite, estava no antigo quarto da minha falecida avó Mosa. O casarão é antigo e escuro, e as chuvas do inverno estão esculpindo ainda mais uma atmosfera lúgubre e úmida no lugar. Fosse antigamente, teria medo do escuro. Mas agora, por algum motivo, o escuro me agrada e me aconchega. Sinto-me num grande útero, e o ar gelado me agrada. Ouço algumas músicas antes de dormir, coisa leve, Björk e Gino Paoli. Aos poucos começo a descomeçar, e o mundo a se desfazer: é que durmo. E, já dormindo, não ouso falar.

Acordo no dia seguinte com uma tranquilidade assombrosa. Grande, profunda e aterradora, embebida naquele medo sobrenatural que sentimos quando à beira de poços, cacimbas e abismos. O medo de cair. Só então, lembro-me do sonho da noite. Um sonho ruim. Eu conversava com a minha mãe. Tínhamos acabado de deixar em seu quarto, afim de que descansasse, um bebê. Um bebezinho menino, de modo que não pode ser ninguém que eu conheço. Eu acho... Mas então o medo assalta o meu coração, assim como a minha mãe, e nos olhamos, num silêncio que explica tanto o medo como a razão desse medo. O bebê corre perigo.

Então corremos eu e minha mãe ao quarto do bebê. Obviamente, o corredor por onde corremos, assim como a casa a que ele pertence, não é nenhuma de que nos lembremos ou que conheçamos. É um lugar estranho e estranhamente é familiar. Ainda com medo, chegamos ao fim do corredor, no lugar onde há uma porta de duas abas. Abrimo-la eu e mamãe, e neste instante nosso coração se torna gelo, como um grito de gelo que morre surdo em nossos peitos. Minha tia Thelma, irmã de minha mãe, com os cabelos eriçados até à louca aparência da Winehouse, insadecida e assustada, devora as tripas do meu bebê. Come-o ferozmente, com a bocarra louca ensaguentada e as mãos, trêmulas, em movimentos de posse. É meu porque o comi, ela parece dizer enquanto come o corpo da criança morta.

O sonho ruim acaba, e depois disso não sei dizer se era minha mãe com quem eu falava, ou se um amigo, ou amante, ou ainda um cúmplice, e também me esqueço de quem seja o bebê. Se é que um dia eu soube... Mas o estranho, o assustador, o que me faz pensar se estou perdendo minha sensibilidade diante da dor ou se apenas estou me tornando menos fácil de amedrontar, é que não acordei assustado. Não suei frio nem me desesperei no escuro e no assombroso. Senti, é claro, uma profunda tristeza ao ver o bebê morto e um enorme medo ao ver minha tia em suas maneiras mais bestiais e assassinas, mas o que eu quero dizer é que o sonho não teve forças para me demover de minha tranquilidade. Sonhei-o e nada mais. Estarei me tornando estátua?

2 comentários:

  1. Que sonho mais elaborado... Eu fiz um caderno dos sonhos depois de ler um livro sobre interpretação deles. A primeira lição do livro era: ANOTE SEUS SONHOS ASSIM QUE ACORDAR. É o que eu tô fazendo, e ta funcionando, cada dia me lembro mais e mais dos sonhos que tive.

    Abraço

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  2. É! Tenho muitos sonhos, porém me esqueço de quase todos... Sei, ainda, que se durmo a intervalos regulares de tempo, e entre eles fico alguns segundos acordados, entre apenas em alfa e me lembro quase que pictoricamente do que vi.

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